Uma pesquisa divulgada pelo Ministério da Saúde trouxe dados
sobre a obesidade infantil no Brasil e a alimentação das crianças que gerou
alarme e preocupação.
Entre
os dados que mais chamaram atenção está o fato de que 32,3% das meninas e meninos brasileiros
menores de 2 anos tomam refrigerante e suco de caixinha e que 60,2% deles comem
bolacha recheada, biscoitos e bolos prontos.
Mas
para o endocrinologista brasileiro Walmir Coutinho, que preside a World Obesity
Federation (organização que reúne profissionais e organizações de mais de 50
países), esses dados alarmantes são só a ponta de um iceberg que é a epidemia
de obesidade.
Um
problema que, segundo ele, pode levar o Brasil a se tornar o país mais obeso do
mundo em 15 anos - e as crianças brasileiras estão na mira.
O
médico aponta o dedo para "ações insuficientes do governo", para
"escolas omissas", para o marketing que bombardeia crianças com
propagandas ligadas a alimentos nada saudáveis - e alerta para os danos físicos
e psicológicos nas crianças obesas. Confira os principais trechos da
entrevista.
BBC Brasil - O que significa ter metade das crianças pequenas
brasileiras comendo bolachas e boa parte delas bebendo refrigerante e suco
artificial?
Coutinho - Esses dados dão a medida de uma tendência que outros estudos já haviam mostrado. O consumo excessivo de alimentos e bebidas pouco saudáveis hoje é um problema seríssimo no Brasil. E, se continuarmos nesse ritmo de crescimento da obesidade, seremos o país com mais obesos do mundo em 15 anos.
Coutinho - Esses dados dão a medida de uma tendência que outros estudos já haviam mostrado. O consumo excessivo de alimentos e bebidas pouco saudáveis hoje é um problema seríssimo no Brasil. E, se continuarmos nesse ritmo de crescimento da obesidade, seremos o país com mais obesos do mundo em 15 anos.
BBC
Brasil - E esse risco também atinge as crianças?
Coutinho - Certamente. A
obesidade infantil no Brasil é um cenário muito preocupante, em que algumas
ações foram tomadas, mas elas ainda estão longe de serem suficientes. É preciso
se fazer muito mais. Para começar, nossas crianças são alvo de uma pressão
exagerada da mídia e do marketing que incentivam o consumo desses produtos.
BBC
Brasil - E ações não diretamente ligada a crianças, como a que ocorreu em um
jogo recente do Corinthians (jogadores causaram polêmica ao usar meiões de uma
campanha em parceria com uma rede de fast food), também são prejudiciais?
Coutinho - Claro, porque de uma
maneira ou de outra isso acaba atingindo as crianças que estão assistindo ao
jogo. Nossa organização prega uma ética nas ações de marketing e isso envolve
não direcionar essas campanhas a crianças.
BBC
Brasil - Olhando o lado da alimentação da criança brasileira, quem são os
principais vilões atualmente?
Coutinho - Há os vilões
invisíveis, especialmente suco de fruta artificial e iogurte. O pai e a mãe
acham que estão dando algo saudável para as crianças, mas são produtos que tem
muitíssimo açúcar. Fora isso, é preciso lembrar que os alimentos mais baratos
são os que mais engordam.
BBC
Brasil - Como isso é prejudicial?
Coutinho - É um fenômeno chamado
de transição nutricional, em que as pessoas que conseguem superar a falta de
alimentos começam a ter acesso aos produtos mais baratos, que costumam ser
altamente industrializados. Sair do supermercado com saquinho de batata frita,
salgadinhos, biscoitos eCHOCOLATES é
mais barato do comprar frutas
e verduras. A população de baixa renda também costuma ter menos tempo e
infraestrutura para praticar atividade física.
BBC
Brasil - Quais alternativas poderiam mudar esse cenário? Taxar alimentos
poucos saudáveis, como aconteceu na França, com a chamada "taxa da
nutella"?
Coutinho - Eu vejo com bons
olhos essas iniciativas, mas pra que elas sejam mais justas e mais efetivas, o
valor arrecadado com esses impostos deve ir diretamente para o subsídio de
alimentos saudáveis. Sem isso, não adianta.
BBC
Brasil - E punir os pais, é uma alternativa? Há casos em que inclusive pais
perderam temporariamente a guarda de filhos obesos, por serem acusados de não
fazerem o suficiente para a criançaemagrecer .
Coutinho - Esse tipo de medida é
muito polêmica, não só no que diz respeito à obesidade, mas também a outros
tipos de negligência. Mas o outro lado da moeda é que há crianças obesas cujos
pais não têm nenhuma culpa, no casos de uma tendência genética, por exemplo.
Então, acho que só seria efetiva se fosse analisado caso a caso detalhadamente.
BBC
Brasil - Agora, falando de atividade física. As crianças brasileiras também
estão sendo negligenciadas nesse aspecto?
Coutinho - Claro. Basta ver que
tipicamente nas escolas só se tem atividade física uma vez por semana. Isso é
inaceitável. Além disso, a violência urbana faz com que muitas crianças fiquem
presas em casa, na frente da TV, não conseguem ir a pé nem de bicicleta para
a escola.
BBC
Brasil - Quais os principais impactos em alguém que passa pela infância sendo
obeso?
Coutinho - O impacto na saúde da
criança é mais conhecido. A obesidade traz problemas graves como hipertensão
arterial muito alta, problemas osteoarticulares em partes do corpo como joelho,
coluna e tornozelo, além de asma e diabetes .
Mas
também é o lado psicológico, que muitas vezes é subvalorizado. As pessoas não
se dão conta do impacto psicológico de apelidos dados a essas crianças, do
isolamento que elas vivem, e de estereótipos como o menino gordinho que só pode
jogar no gol ,
por exemplo. São situações que causam traumas que podem ser levadas para a vida
adulta.
BBC
Brasil - Mas afinal, de quem é a culpa, das escolas, dos pais, do governo?
Coutinho - O desafio da
obesidade no mundo é comparável ao do aquecimento global, por sua complexidade
e por envolver diversos fatores e atores. Governo, comunidade científica, pais
e a sociedade como um todo.
É
claro que, no Brasil, a escola tem culpa. Muitas são extremamente omissas. Se,
por um lado, alguns Estados já têm leis proibindo a venda de guloseimas e
refrigerantes nas escolas, por outro, há escolas que vão no caminho contrário.
No Rio, a lei que proíbe refrigerante só vale nas públicas. Em muitas das
particulares, a pressão do dono da cantina fez com que o refrigerante fosse
liberado.
BBC
Brasil - E o governo?
Coutinho - Todos os níveis do
governo precisam estar envolvidos, incluindo o Legislativo e o Judiciário. O
governo tomou algumas medidas interessantes, mas são insuficientes. E algumas
das ações que têm por objetivo o aquecimento da economia acabam
prejudicando o cenário da obesidade no país.
Um
exemplo é a redução dos impostos de carros e geladeiras - itens que trazem
conforto mas que estão relacionados à obesidade. É preciso pensar na saúde
pública quando se quer estimular as vendas